Proibir Funcionários Do Governo De Conversar Com Big Techs Não é Uma Vitória Para a Liberdade De Expressão

Por Suzanne Nossel

Na terça-feira, um juiz federal proibiu comunicações entre grandes partes do governo federal e plataformas de rede social. O caso foi movido por dois procuradores-gerais republicanos e vários indivíduos para alegar que o governo censurou inconstitucionalmente o discurso online dos conservadores.

É real o problema da interferência do governo no que as plataformas de mídia social podem publicar. Mas a solução do juiz (suspender amplamente o contato entre o governo e as big techs) é juridicamente duvidosa e praticamente perigosa. É importante que o discurso online, independentemente do ponto de vista político, cresça sem o espectro da censura. Mas também é essencial que o governo tenha permissão para se envolver com gigantes das redes sociais para lidar com os danos manifestos do conteúdo online.

A solução não está na proibição, mas sim em expor as comunicações do governo com as big techs em relação à investigação, para que ambas as partes sejam responsabilizadas por garantir que as relações sirvam o interesse público.

A administração de Biden recorreu da decisão de 155 páginas do juiz Terry A. Doughty, que permanece em vigor à medida que o caso avança. Dado o vasto domínio que as empresas de redes sociais detêm sobre o discurso público, existem preocupações reais sobre o potencial uso das plataformas pelas autoridades para punir críticos, invadir a privacidade e limitar o discurso político. No entanto, em vez de visar de maneira precisa as facetas mais preocupantes do envolvimento do governo com as empresas de tecnologia, a liminar abrangente do juiz proíbe até mesmo trocas rotineiras e essenciais entre o governo e as plataformas sobre questões como segurança infantil e saúde pública.

Na verdade, essa proibição quase total e sem precedentes é, por si só, uma grave violação da liberdade de expressão. Embora a ordem forneça exceções, inclusive para conteúdo relacionado a conduta criminosa e segurança nacional, essas lacunas são muito estreitas. Elas não permitirão que funcionários do governo alertem as empresas de rede social quando, por exemplo, falsas curas para uma doença grave ou outras formas de charlatanismo perigoso se tornarem virais. Também não permitem que o governo exerça um papel no combate às informações falsas sobre os resultados das eleições. Os vigilantes da tecnologia também temem que a decisão dê aos gigantes online uma desculpa conveniente para reduzir esforços dispendiosos para remover desinformação, assédio e outros conteúdos prejudiciais das respectivas plataformas, alegando que não podem correr o risco de serem vistas como se estivessem cumprindo as ordens do governo.

Por todos esses motivos, é importante que um tribunal superior reduza a decisão de Doughty. No entanto, estão enterradas na opinião do tribunal algumas alegações de contatos do governo com empresas de rede social que demonstram preocupações genuínas.

À medida que a pandemia da COVID-19 se desenrolava, as autoridades procuraram, dentro dos limites, conter a propagação de alegações de saúde pública que contradiziam as evidências factuais e os conselhos das agências de saúde. Em alguns casos, porém, a natureza sem precedentes da pandemia e a rápida propagação levaram as autoridades de saúde pública a procurar reprimir pontos de vista que deveriam ter sido expostos a um debate aberto. Uma reclamante afirma que as postagens dela questionando a eficácia da obrigatoriedade do uso de máscaras para crianças pequenas foram censuradas no Facebook e em outras plataformas por ordem do governo. Sabemos agora, algo que não sabíamos numa fase anterior da pandemia, o uso de máscaras por crianças pequenas oferece benefícios limitados. Os esforços para suprimir os debates sobre o assunto agora parecem equivocados.

Outros afirmam que funcionários do governo tentaram impedir o debate na Internet da teoria do “vazamento de um laboratório”, que relacionava as origens da COVID ao trabalho de um instituto de virologia em Wuhan, China. Embora a teoria permaneça sem comprovação, os esforços do governo chinês e de outros em impedir a avaliação têm impossibilitado uma compreensão clara das origens da pandemia. O caso também envolve a suposta repressão de publicações e contas relacionadas à família de Biden, que pode ter sido motivada tanto pelo desejo de proteger o presidente e seus familiares quanto por questões de desinformação.

O governo argumentou que, em muitos casos, as propostas assumiram a forma de sinalizar e transmitir preocupações sobre conteúdos específicos, em vez de exigir a remoção. Mas mesmo apelos amigáveis de autoridades podem ser interpretados como intimidação.

O Comitê de Supervisão da Meta, no qual atuo, é um órgão de especialistas independentes contratados pela empresa para analisar as decisões de moderação de conteúdo. O Comitê documentou como o Facebook e o Instagram privilegiam determinados usuários, incluindo funcionários do governo, proporcionando a eles mais liberdade para publicações que, de outra forma, seriam rapidamente removidas por violar os padrões da empresa. O fato de esses funcionários também terem acesso especial para removerem publicações problemáticas ilustra ainda mais como as plataformas podem, muitas vezes de forma oculta, ajudar as pessoas em posição de poder. Enquanto usuários comuns que enfrentam assédio online ou lutam contra informações falsas podem sentir como se estivessem gritando em vão, os funcionários de alto escalão têm as solicitações atendidas com mais facilidade. Embora essa influência única possa ser usada de forma responsável para proteger os cidadãos contra danos online, ela também apresenta riscos.

A maioria dos exemplos citados na decisão de Doughty parecem envolver funcionários bem-intencionados que tentam genuinamente evitar danos graves online. Mas as relações acolhedoras entre governos e empresas de redes sociais não podem ser consideradas benignas.

Em todo o mundo, vimos governos usarem conceitos como desinformação e fake news para silenciar os críticos. As plataformas de tecnologia têm sido por vezes cúmplices da repressão, concentrando-se em manter os interlocutores governamentais satisfeitos para evitar paralisações e outros problemas jurídicos que possam prejudicar as operações e reduzir os lucros. Antes das eleições turcas em maio, o Twitter anunciou que estava atendendo aos pedidos do governo para encerrar contas que faziam críticas ao presidente Recep Tayyip Erdogan. Embora essas exigências desrespeitassem a própria constituição da Turquia, o proprietário do Twitter, Elon Musk, disse que concordou em evitar que sua plataforma fosse “totalmente banida”. A Wikipedia, que negou pedidos semelhantes, foi banida na Turquia por quase três anos.

O público tem o direito de responsabilizar as autoridades governamentais e as plataformas de tecnologia pela forma como colaboram. Para tal, os cidadãos precisam de uma visibilidade muito maior para essas relações. Embora certas plataformas de mídia social, incluindo Meta e Google, divulguem voluntariamente solicitações de conteúdo do governo, como mostra a decisão de terça-feira, as negociações entre autoridades e executivos de tecnologia vão além das exigências de remoção de conteúdo específico.

Em vez de interromper essas trocas, os reguladores deveriam impor requisitos de transparência que obrigassem as empresas a revelar a amplitude das comunicações que recebem do governo e como esses contatos afetaram o conteúdo nas plataformas. Sujeitas a ocultações limitadas por motivos legais ou de segurança nacional, tais divulgações ajudariam a elucidar como o governo está influenciando as redes sociais e vice-versa.

Entretanto, as empresas devem expandir as divulgações voluntárias, permitindo que a sociedade e outras organizações de monitoramento avaliem se tais transações são do interesse dos usuários. Saber que os encontros seriam objeto de relatórios públicos detalhados incentivaria os funcionários do governo a não abusarem da influência.

A liminar excessivamente ampla de Doughty deve ser anulada em apelação. Ao mesmo tempo, as preocupações legítimas sobre os laços entre o governo e a tecnologia devem ser abordadas. A melhor maneira de fazer isso é expondo essas interações.

Este artigo foi publicado originalmente no Los Angeles Times em julho de 2023.

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