Proibição de exibir nudez indígena limita desproporcionalmente a expressão
3 de Junho de 2025
Em três dos quatro casos analisados, o Comitê de Supervisão contrariou a decisão da Meta, destacando os efeitos desproporcionais da política sobre Nudez Adulta e Atividade Sexual para usuários que publicam imagens de mulheres indígenas sem camisa, quando essa forma de nudez está ligada às tradições e práticas culturais dos Povos Indígenas. O Comitê de Supervisão também decidiu manter, em um terceiro caso, a publicação do conteúdo com base na exceção por subsídio de noticiabilidade.
A proibição ampla imposta pela Meta à publicação de imagens de mulheres indígenas sem camisa em contextos não sexualizados, aliada à aplicação de exceções pontuais, não configura uma restrição necessária e proporcional à liberdade de expressão. Pelo contrário, essa abordagem impõe limitações desproporcionais à expressão dos usuários — incluindo os Povos Indígenas, para os quais esse tipo de nudez está inserido em suas práticas culturais.
A Meta deve divulgar publicamente sua exceção à política de Nudez Adulta e Atividade Sexual, permitindo a publicação de imagens de mulheres indígenas sem camisa em determinadas circunstâncias, desde que essa representação reflita tradições e crenças reconhecidas socialmente e não distorça essas práticas.
Sobre os casos
O Comitê examinou quatro casos que envolvem imagens de mulheres indígenas sem camisa em contextos não sexualizados.
No primeiro caso, um usuário do Instagram compartilhou uma foto em julho de 2024 de duas mulheres, que aparecem com os seios à mostra, usando o traje tradicional do povo Himba, da Namíbia. A publicação incluía uma citação em inglês e uma legenda mencionando diretamente os Himba. O autor da publicação aparenta ser um visitante ou turista, e não membro do povo Himba. Um classificador automatizado de nudez e pornografia removeu a imagem. O usuário recorreu da remoção. No entanto, após revisão humana, a Meta manteve a decisão inicial.
O segundo caso refere-se à publicação, também em julho de 2024, de um vídeo curto no Instagram mostrando um homem Himba dançando, com mulheres de seios nus usando trajes tradicionais ao fundo. A legenda do vídeo fazia referência explícita ao povo e à cultura Himba. Mesmo após análises automatizadas e revisões humanas, a Meta decidiu remover o conteúdo.
No terceiro caso, a conta oficial de um partido político no Brasil no Instagram publicou, em março de 2023, uma imagem retratando mulheres indígenas sem camisa, vestindo trajes tradicionais do povo Yanomami. A publicação trazia um texto elogiando as ações do governo no combate à mineração ilegal em território Yanomami. Após a denúncia de um usuário, um sistema automatizado identificou a publicação, que foi então removida por um revisor humano por suposta violação da política de Nudez Adulta e Atividade Sexual. A conta responsável pela publicação recorreu da decisão por meio de um contato direto dentro da Meta. A empresa optou por restaurar o conteúdo, justificando a decisão com base no critério de subsídio de noticiabilidade — entendendo que o interesse público superava o potencial de dano — e aplicou um rótulo indicando essa classificação. Em setembro de 2024, a Meta encaminhou o caso ao Comitê de Supervisão para revisão.
No quarto caso, o administrador da página no Facebook de um jornal alemão publicou, em maio de 2023, a imagem de uma mulher indígena sem camisa segurando uma criança. A legenda e o texto sobreposto, em alemão, relatavam a visita de uma jornalista americana a uma aldeia maia, abordando suas impressões sobre práticas parentais em diferentes culturas. A publicação incluía ainda um link para o artigo correspondente. A imagem parece ter origem em uma agência de fotografia e é encontrada em coleções online relacionadas ao povo Karo, da Etiópia. Após uma denúncia feita por um usuário, dois revisores humanos da Meta concordaram que o conteúdo violava a política Nudez Adulta e Atividade Sexual. No entanto, devido à participação da conta no programa de verificação cruzada, a publicação foi enviada para uma revisão mais aprofundada. Posteriormente, a Meta concluiu que, apesar de tecnicamente infringir sua política de nudez, o conteúdo deveria ser mantido na plataforma, com base em uma exceção prevista pela própria lógica da política. Em setembro de 2024, a Meta encaminhou o caso ao Comitê de Supervisão para revisão.
Principais descobertas
Embora a Meta proíba imagens que exibam “mamilos femininos visíveis” em contextos não sexualizados, em certos casos esse tipo de conteúdo é autorizado por meio de exceções previstas na política ou por permissões baseadas em subsídio noticiabilidade.
No caso da publicação envolvendo o povo Yanomami, a Meta agiu corretamente ao manter o conteúdo, reconhecendo seu valor de interesse público e o baixo risco de causar danos. A nudez com o peito nu é uma prática social e cultural entre os Yanomami, e a imagem apresentava indícios de que houve consentimento.
Por outro lado, em relação aos dois casos envolvendo o povo Himba, o Comitê entende que a Meta errou ao não aplicar corretamente o subsídio da política. A Meta não seguiu as próprias diretrizes de exceção relacionadas ao consentimento implícito em casos de nudez indígena, que se concentram em avaliar se a nudez com o peito exposto faz parte das crenças e costumes de um Povo Indígena e é socialmente aceita. A nudez é um elemento social e historicamente aceito nos costumes do povo Himba, e as duas publicações analisadas apresentam indícios suficientes de consentimento implícito para serem fotografadas ou filmadas, o que justificaria sua permissão na plataforma.
No caso da publicação Maya/Karo, a maioria dos membros do Comitê entende que o fato de a imagem ter sido divulgada por um veículo jornalístico não é, por si só, suficiente para comprovar o consentimento da pessoa retratada. Além disso, há uma disparidade evidente entre o tema abordado no conteúdo — práticas parentais em culturas maias — e a imagem utilizada, que retrata uma mulher Karo. Como o foco da publicação nessas práticas não está relacionado a uma tradição social ou cultural de nudez, permitir que essa imagem permaneça na plataforma é inconsistente com a lógica da política da Meta. Uma minoria do Comitê discorda dessa avaliação, argumentando que a Meta agiu corretamente ao manter o conteúdo, uma vez que a nudez retratada está alinhada às normas culturais do grupo indígena representado. Para esse grupo minoritário, a incongruência entre as imagens usadas foi um erro menor, que não compromete o interesse público da publicação.
O Comitê ainda observa que a decisão de remover as publicações envolvendo o povo Himba, enquanto se manteve a publicação Maya/Karo, foi incoerente com as obrigações da Meta em relação aos direitos humanos. A proibição ampla imposta pela Meta à publicação de imagens de mulheres indígenas sem camisa em contextos não sexualizados, aliada à aplicação de exceções pontuais, impõe restrições desproporcionais à liberdade de expressão. Essa prática impacta especialmente o direito das mulheres indígenas à autoexpressão e ao compartilhamento de informações sobre suas práticas culturais, além de limitar o acesso de outras pessoas a essas informações. O Comitê destaca a importância de representar as culturas indígenas de maneira cuidadosa, evitando distorções ou a descontextualização de suas práticas.
Expressa também preocupação com as limitações de acessibilidade e previsibilidade das atuais exceções baseadas no espírito da política e nos subsídios de noticiabilidade. Diante disso, o Comitê considera que a criação de uma exceção claramente definida seria uma solução mais adequada.
O Comitê entende que a Meta deveria criar diretrizes internas para ajudar revisores, especialmente em grande escala, a identificar e encaminhar conteúdos de nudez indígena que possam se qualificar para essas exceções, utilizando critérios objetivos como hashtags pertinentes ou indicadores visuais, incluindo símbolos culturais.
A decisão do Comitê de Supervisão
O Comitê revoga a decisão da Meta de arquivar os casos referentes às duas mulheres Himba e ao homem Himba dançando. Além disso, o Comitê também anula a decisão da Meta de manter a publicação envolvendo o caso Maya/Karo. Por outro lado, o Comitê confirma a decisão da Meta de preservar a publicação relativa ao caso Yanomami.
O Comitê também recomenda que a Meta:
- Divulgue publicamente sua exceção à política Nudez Adulta e Atividade Sexual, permitindo a publicação de conteúdo que retrate mulheres indígenas com o peito nu em determinadas circunstâncias. Estabeleça que essa exceção seja aplicada exclusivamente em casos de escalonamento para revisão. Garanta que a exceção autorize esse tipo de nudez apenas quando ela reflita costumes e crenças socialmente reconhecidos e não distorça essas práticas.
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